sábado, 20 de abril de 2013

UM RECADO DO INFERNO





Recebi na segunda um telefonema do pessoal que organiza o jornal “Bom Dia Brasil”, me solicitando informações bem como me convidando para participar de uma matéria sobre lixo na Baía de Guanabara.
De imediato aceitei, mas confesso que logo depois me veio aquela sensação de eterna repetição, isto é, mesmas imagens, mesmos resíduos, mesma tristeza, mesma irritação e quase que mesmo discurso da minha parte e da parte de lá do balcão.

Enfim, pensei, são milhões de pessoas vendo a situação no mínimo constrangedora e na verdade criminosa na qual a pobre baía continua chafurdada. Vale a pena mais uma matéria.
Cheguei no ponto de encontro cedo, no iate Clube do Rio de Janeiro, e aproveitei para tirar um cochilo enquanto aguardava os demais chegarem.

Muita conversa disso e daquilo e depois de algum tempo estávamos nas águas da Baía de Guanabara.
Devido à ressaca que se espalhava do Rio Grande do Sul ao estado do Espírito Santo, a água naquele dia realmente estava fora do padrão normal local, ou seja, limpa. Muita água entrando em maré de quadratura diluindo toda a imundície que escoa todo dia dos rios para dentro da cloaca da Guanabara.

Mas como se diz: “quem procura, acha”. E dessa forma navegando margeando a praia do Flamengo, aqui e acolá, se encontravam isoladamente, pedaços de madeira, plásticos, baldes, restos de automóveis e finalmente ao passarmos próximo à praça XV avistei o símbolo da degradação: o pneu.

Ele flutuava, subindo e descendo como um bêbado, solitariamente próximo ao movimento das barcas do trajeto Rio-Niterói. Imediatamente nos direcionamos para a imagem ícone da matéria, quando observei que além do pneu havia, talvez um recipiente branco preso no seu interior. Quando finalmente consegui colocar a mão no pneu e puxá-lo, a visão foi entristecedora. Não era um balde, mas sim um pequena tartaruga que provavelmente ao buscar algum alimento dentro do pneu acabou ficando presa e morreu afogada em sua armadilha fatal.

O que mais dizer? Aquela imagem dizia tudo sobre nossa irresponsabilidade, nossa impunidade, nossa realidade. A cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana é uma colônia de exploração e de lá só se quer tirar o que se puder tirar. Esqueçam esse marketing publicitário de que “eu amo o Rio”. Ama é o cacete! Mija-se, caga-se nas ruas, joga-se lixo em todo canto, ocupa-se tudo de qualquer jeito, paga-se não se recebe e fica tudo por assim mesmo, principalmente quando o assunto é tratamento de esgoto. AMA É O CACETE!

Enfim, mais do que uma imagem impactante, aquilo que eu vi foi um “email”, recado diretamente vindo do inferno do fundo da Baía de Guanabara. Uns usam cartas, outros emails, o coisa ruim usou o pneu. Em seguida da retirada da tartaruga, o pneu afundou, lentamente para o fundo escuro da baía como se fosse a resposta do recebido, dado pelo mundo da superfície.

Hades ou o nome que queiram dar para o representante do lado sombrio da Força foi claro: “Continuem em sua trajetória genocida, pois eu os aguardo de braços abertos”.
 E assim deixei o corpo do animal cheio de gases flutuando nas águas daquela baía que já foi considerada o paraíso na Terra.

Voltei para casa triste e com o amargo gosto de ter cumprido minha missão naquele dia.
Biólogo Mario Moscatelli / foto (crédito do André Trigueiro)

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